"Crachá nos dentes..." meu preferido de Lygia

Para quem ainda não conhece, um pouquinho de Lygia Fagundes Telles, paulista, nasceu em 1923.
"... fui humano quando me apaixonei e virei um mutante que durou enquanto durou a paixão. Abrasadora. E breve. Escondi os pequenos objectos reveladores e que não eram muitos, a coleira, o osso e o saiote das noites de gala. Olhei de frente para o sol. Devo lembrar que eu varava feito uma seta salivando de medo os grandes arcos de fogo e eis que o medo desapareceu completamente quando me descobri em liberdade, todo o fogo vinha apenas aqui de dentro do meu coração… fiquei flamejante. Penso agora que flamejei demais e o meu amor que parecia feliz acabou se assustando, era um amor frágil, assustadiço. Tentei disfarçar tamanha intensidade, o medo de ter medo. Vem comigo! Eu queria gritar e apenas sussurrava. Passei a falar baixinho, escolhendo as palavras, os gestos e ainda assim o amor começou a se afastar. Delicadamente, é certo, mas foi se afastando enquanto crescia o meu desejo numa verdadeira descida aos infernos. É que estou amando por toda uma vida! eu podia ter dito. Mas me segurei, ah, o cuidado com que montava nesse corpo que se fechava, ficou uma concha. Não me abandone! Cheguei a implorar aos gritos no nosso último encontro. Desatei a escrever-lhe cartas tão ardentes, bilhetes, repeti o mesmo texto em vários telegramas: Imenso Inextinguível Amor Ponto De Exclamação. Era noite quando fiquei só. Tranquei-me no quarto e olhei a lua cheia com sua face de pedra esclerosada. As estrelas. Abracei com tanta força a mim mesmo e comecei a procurar, onde?"

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