Existimos?

Às vezes se te lembras procurava-te, retinha-te, esgotava-te e se te não perdia, era só por haver-te já perdido ao encontrar-te.
Nada no fundo tinha que dizer-te e para ver-te verdadeiramente e na tua visão me comprazer indispensável era evitar ter-te.
Era tudo tão simples quando te esperavam, tão disponível como então eu estava, como mudou aquela que te esperava.
Tu sabes como era se soubesses como é.
Numa vida tão curta mudei tanto, depois de tudo quanto o tempo me levou,
Se porventura tem ainda para mim sentido é ser solidão que te rodeia a ti.
Mas o preço que pago por te ter, é ter-te apenas quanto poder ver-te e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo, pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te.
Eu aprendi a ver a minha infância e vim a saber mais tarde a importância.
Vejo-te agora, vi-te ontem e anteontem, e penso que, se nunca a bem dizer te vejo, se fosse além de ver-te sem remédio te perdia.
Mas eu dizia que te via aqui e acolá e quando te não via dependia do momento marcado para ver-te.
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te e antes de chegares já lá estavas, naquele preciso sítio combinado onde sempre chegavas.
Sempre tarde, ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses, se ausente mais presente pela expectativa, por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente.
Mas sabia que um dia não virias, que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste, ou até se exististe ou se eu mesmo existi, pois na dúvida tenho a única certeza.
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não.
Na melhor das hipóteses estou longe, qualquer de nós terá talvez morrido.
No fundo quem nos visse àquela hora,talvez pensasse que naqueles encontros, em que no fundo procurássemos o encontro profundo com nós mesmos.
Haveria entre nós um verdadeiro encontro, como o que apenas temos nos encontros que vemos, entre os outros onde só afinal somos felizes.
Eu via essa mulher e esse homem, que naqueles encontros pontuais decerto seriam tão felizes .
Como neles é pois a felicidade para nós possível, é sempre a que sonhamos.
Até que certo dia não sei bem;
Ou não passei por lá ou eles não foram, nunca mais foram, nunca mais passei por lá.
Passamos como tudo sem remédio passa e um dia decerto mesmo duvidamos, dia não tão distante, como nós pensamos.
Estarei longe talvez tenha envelhecido.
Terei até talvez mesmo morrido.
Não te deixes ficar sequer à minha espera, não telefones, não marques o número , ela terá mudado.
Nada penses ou faças, vai-te embora.
Que embora tudo mude nunca muda;
ou se mudar que se não lembre de morrer ou que enfim morra, mas que não me desiluda.
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires, nada penses ou faças, vai-te embora
Eu não te faço falta e não tem sentido esperares por quem talvez tenha morrido.
Ou nem sequer talvez tenha existido.

Readaptei de um texto que li e no qual me revi, escrito por Ruy Belo

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